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No Templo do Senhor de Três Olhos (Trimbakeshwar)

Publicado em Diário de viagem
Trimbak, 16/02/1975


Em marathi, a principal língua desta região, no estado de Maharashtra, Trimbakeshwar significa "O Senhor de Três Olhos".

Tal Senhor é Shiva.

Seu terceiro olho, na testa, está sempre fechado. É um olho tão poderoso que só se abre quando o deus é tomado pela ira, prestes a fulminar e transformar em cinzas seu desafeto, mormente algum demônio terrível que ameaça levar o mundo de volta ao caos.

Foi o resultado de uma "brincadeirinha" de sua esposa, Parvati, que lhe tapou os olhos com as mãos, talvez exclamando: – adivinha quem é! – e quando imediatamente o mundo inteiro caiu em trevas. Imediatamente também, o terceiro olho surgiu para restaurar-lhe a luz.

Sorte de Parvati.

Shiva é também o asceta contido e paciente, "O Senhor do Yoga" (Yogeshwar).

Vijay e Mernosh levaram-me a Trimbak, cheia de templos e árvores sagradas, vilarejo próximo a Nasik. Lá havia um grande tanque para oblações e banhos rituais. Ao redor do tanque as muitas divindades, cada qual de seu nicho, esperavam pétreas a atenção dos mortais de onde extraíssem forças de operar seus prodígios.

Do alto da "Montanha de Brahma" (Brahmagiri), um monte sagrado, através de um riacho sagrado vinham as águas sagradas que alimentavam o sagrado tanque de Trimbak (Kushavarta, onde inicia seu curso o sagrado rio Godavari). Só os homens não eram sagrados, por isso vinham ali purificarem-se provisoriamente.

Um deles apanhava um pouco da água, a mão direita em forma de concha, e devolvia ao tanque repetidas vezes, tendo diante de si um outro homem a proferir palavras como em oração. Por fim ele a bebe três vezes (sagrada sujeira) e, limpo de todos os seus pecados, se vai feliz...

Desde há muitos séculos outros tantos hindus repetem agora essa mesma cena.

Há um forte cheiro de flores no ar, e de suor e incenso.

Lembro das flores amarelas e daqueles alegres colares onde elas morriam.

Vijay insistiu para que eu pudesse entrar no templo, pois não sou hindu. Imagino que tenha convencido o vigia de que eu era mais hindu do que ele próprio, provavelmente já tendo atingido o último estágio da libertação (Moksha). Depois de lavarmos os pés num outro tanque, próximo, tiramos os chinelos e entramos no velho templo de velhas pedras ao tempo enegrecidas.

Entoamos muitos "OM", tomados pela maravilhosa acústica do recinto.

Bobamente, talvez, pensei das pedras que elas sempre são bem mais antigas que as construções das quais fazem parte. Não seriam, na verdade, essas construções meras partes da pedra? da Pedra?

A pedra bruta, "virgem", qualquer uma, qualquer montanha, é um "Sinal de Shiva" (Shivalinga), dito "Nascido por Si Mesmo" (Svayambhu).

Neste templo é cultuado um dos doze "Sinais da Luz" (Jyortilinga) que é aceito existirem na Índia. São pedras não trabalhadas pelo homem, principalmente meteoritos, as quais uma pessoa espiritualmente desenvolvida é capaz de ver como uma coluna de fogo penetrando na terra.

Pedras que caem do céu e penetram na terra. Unindo num traço de fogo o Infinitamente Alto e o Infinitamente Baixo. Uma visão do próprio Shiva.

As pedras do templo estavam frias e mesmo assim disse-me Vijay que eu estava diante de uma reprodução do Cosmo...

E, olhando aquela coisa, fiquei pensando cá comigo, porque diabos o Cosmo precisaria de uma reprodução.


Obs.: este artigo foi publicado na revista Rubedo

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