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A zebra em seus coices de prata

Publicado em Poemas
Campos do Jordão, 1969


Ilustr.: Zebra painting, por porcelianDoll em DevianArt

Estão limpos de sangue os velhos centauros e afiados cascos
que há muito desfizeram-se os faunos e os silenciosos passos
inexistentes
já não perseguem mais os corpos na floresta...

Todos os monstros já foram resolvidos!
Prisioneiros na esfera dos sonhos, enfureceram-se os bezerros de ouro
e um milhão de bodes arrombaram as portas do inferno,
atropelaram flores e atiçaram a garra de machos negros touros
...mas não tocaram a terra
e apenas foram como nuvens que devorassem nuvens ao entardecer.
Fúrios cerontes desembestaram os cornos pelo espaço adentro
mas não puderam ser.

Todos os monstros já foram resolvidos!
Mas eis por nossa pele as pegadas de prata,
antiquíssimas pegadas de prata
revelando em nosso tempo um fedor de bestas feras mais difíceis
porque camufladas.
Quais relinchos culpar pelas chagas?
se já não hidras por nossas plagas, se já não grifos em nossos campos.
Nossos cavalos? ...são mansos.

Então se espalha o sangue pelos coices ocultos de muito misteriosas patas
e as feridas, mais fantasmas,
à medida que apodrecem potros selvagens sob as mochilas
por pedras e trilhas, num desmanchar de cavalgagens.
Há um demônio sutil transparente
e não se nota o golpe seco, vermelho, arrancando nervos e a carne viva
e em nosso meu peito
não vejo mas sinto em meio ao tudo de mais nada: foi patada!

Estamos feridos e já não podemos pôr nosso sangue entre as garras da
Esfinge.

Estamos feridos e nosso óleo dissolve dragões e mandrágoras
e os de bronze cascos dissolvidos não reclamam o sangue dos feridos
e estamos feridos.
Entre cavalos de ferro e fumaça correndo nos trilhos sobre dormentes,
ossos, tecidos, metal, parafusos perfeitos,
estamos feridos
frios fodidos desfeitos.

Não se ouve mais o cavalgar dos Unicórnios nem o das Valquírias pelos
campos

por isso crescem mofo, vermes e uniformes,
só não crescem os lírios do campo
e ainda que chagas enormes: Nossos cavalos? ...são mansos.
Nossos cavalos são mansos.
Nossos cavalos são mansos.
Nossos cavalos são mansos?
Se os nossos cavalos são mansos há então uma zebra invisível no meio da
nossa técnica!



Obs.: este poema foi publicado na revista Rubedo

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